Um estranho e vazio 25 de abril em Portugal

Lisbon Covid 19

Source: Sandra Moutinho

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O coronavírus não permitiu que os portugueses saíssem às ruas para comemorar os 46 anos da Revolução dos Cravos


Fez neste sábado 46 anos, uma muito grande parte dos então 10 milhões de portugueses veio para a rua, nas praças e avenidas principais da sua cidade, vila ou aldeia para celebrar algo que quase nenhum deles tinha vivido, em consequência de 48 anos anteriores em ditadura, 13 dos quais com guerra colonial: a liberdade e a democracia.

Então, os portugueses, ainda meio atónitos, saíram à rua para celebrar a liberdade, muitos sem terem bem a noção do que isso era.

Celebraram uma mudança prática imediata: o fim da guerra colonial em Angola, em Moçambique e na Guiné-Bissau, que nos anteriores tinha levado centenas de milhar de vidas e cortado muitas mais.
Todos os rapazes portugueses, aos 18 anos, eram mobilizados para a guerra. Primeiro, seis meses de instrução militar no continente português, depois, metidos num paquete e levados para 2 anos de guerra no Ultramar. Muitos perderam a vida, muitos ficaram mutilados, muitos enfrentaram ruturas familiares, muitos ficaram com a formação académica interrompida porque ao voltarem da guerra já não voltavam à universidade.

A revolução dos capitães do Movimento das Forças Armadas, em 25 de abril de 1974, triunfante em menos de 24 horas e feita quase sem disparo de tiros, trouxe em consequência imediata o fim da guerra colonial e, seguidamente, o processo de descolonização, que foi especialmente doloroso em Angola e Moçambique, que mergulharam em guerras civis. Outros três países também alcançaram a independência: Cabo Verde, Guiné-Bissau e São Tomé e Príncipe. Era suposto acontecer o mesmo, então, em Timor-Leste, mas a invasão indonésia retardou tudo por 25 anos, com perda de tantas vidas.

No 25 de Abril de 74, os militares portugueses do movimento dos capitães, todos à volta de 30 anos de idade, quiseram parar a guerra mas o Movimento das Forças Armadas tinha uma tripla ambição, o chamado triplo D: Democratizar, Descolonizar, Desenvolver.

Democratizar significou a entrada na Liberdade, com eleições livres, com liberdade de reunião e de expressão, sem a censura quotidiana, sem polícia política, sem presos políticos. Nesses dias de faz agora 46 anos foram libertados mais de 2 mil presos políticos e vários líderes puderam regressar do exílio.

A liberdade ficou conquistada, apesar de momentos de excessos.

Outro dos objetivos, o do Desenvolvimento, tem expressão máxima na Saúde e na Educação. Na saúde, com a instalação do Serviço Nacional de Saúde, tendencialmente gratuito para todos. Uma consequência imediata: o fim da alta mortalidade infantil de há meio século.

Na Educação, o fim do analfabetismo. Em 1974, 30% da população portuguesa não sabia ler nem escrever. Hoje, toda a gente tem no mínimo 9 anos de escolaridade e mais de metade dos jovens portugueses tem 15 anos de formação concluida em curso superior ou politécnico.

Há transformações ainda complexas: a indústria não se desenvolveu e a agricultura caiu porque muita da gente do campo migrou do solo agrícola no interior do país para as cidades no litoral, sobretudo Lisboa ou Porto.

Uma dúzia de anos depois, Portugal juntou-se à Comunidade Económica Europeia, e foi outro salto no desenvolvimento e na coesão.

A crise financeira de 2009/2015 foi muito penosa, com muita gente a perder o posto de trabalho e a optar pelo caminho da emigração, enquanto os que ficaram suportaram a austeridade pesada.

Depois, de súbito, Portugal cresceu, catapultado pelas exportações, com o turismo na linha da frente. Foi assim que o desemprego quase desapareceu e Portugal fechou o ano 2019 com as contas do Estado em saldo positivo.

Agora, o covid-19 recoloca todas as inquietações.

Naquele 25 de Abril de há 46 anos, quando a coluna militar, capitaneada pelo jovem Salgueiro Maia, entrou em Lisboa, vinda de Santarém, subiu ao Chiado e cercou o Quartel do Carmo onde se tinha refugiado o chefe do governo, então Marcelo Caetano, durante as 6 horas de cerco até à rendição do anterior regime, uma vendedora de flores, das muitas que havia por ali, ofereceu as flores que tinha no cesto aos militares ali em posição de intervenção. Eram sobretudo cravos vermelhos. Os cravos foram distribuidos por cerca de uma centena de militares e eles colocaram o cravo na ponta da espingarda.

As fotos de militares com flores em vez de balas na ponta das baionetas correram mundo e tornaram-se símbolo da revolução democrática em Portugal.

Desde então, todos os dias 25 de Abril, a avenida principal de Lisboa, que tem o nome de Liberdade, enche-se de gente que desfila a celebrar a Liberdade. Desfilam com cravos vermelhos e a cantar Grândola, a canção que foi senha para desencadear a saída simultânea das tropas do Movimento das Forças Armadas.

Todos os anos, um mar de gente, assim, em Lisboa e em todas as principais cidades.

Neste 2020, o covid, ao impor o confinamento, introduziu a exceção.

Não houve desfile, mas às 3 da tarde, em milhares e milhares de janelas o povo, com cravos vermelhos entoou a canção Grândola ao ritmo da versão original de Zeca Afonso, que passou em simultâneo nacional de todas as rádios, seguida pelo hino nacional.

Houve quem lhe juntasse Chico Buarque a cantar “Foi bonita a festa, pá". Chico deveria estar em Lisboa para receber o Prémio Camões com que foi distinguido. O fecho de fronteiras pelo covid não o deixou viajar. Mas Chico esteve numa mensagem em que prometeu cantar o Grândola, Vila Morena, a juntar-se à clebração da festa da Liberdade.

As pessoas na Austrália devem ficar pelo menos a um metro e meio de distância dos outros e encontros estão limitados a duas pessoas, a não ser que esteja com a sua família ou em casa.

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